Contabilidade: Brasileiros serão ouvidos sobre como receita deve entrar no balanço
As empresas e contadores brasileiros terão na próxima semana uma oportunidade concreta de interferir no processo de elaboração das normas internacionais de contabilidade IFRS, usadas integralmente no Brasil desde 2010.
Técnicos dos dois principais órgãos emissores de normas contábeis do mundo, Iasb e Fasb, responsáveis pelos padrões IFRS e US Gaap, respectivamente, estarão no Brasil para debater a minuta final da nova norma sobre reconhecimento de receita.
Eles terão encontros com representantes das empresas abertas, dos contadores, do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e também da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Como a regra sobre receita será a mesma no padrão internacional e no americano, não é exagero dizer que ela vai determinar o que entra ou não na primeira linha do balanço de quase todas as empresas do mundo.
“Os representantes do Iasb e do Fasb querem colher as impressões de empresas e analistas locais sobre o tema. Especialmente nas áreas mais críticas, como a imobiliária”, disse Edison Arisa, um dos representantes do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) no CPC, que apresentou ontem os projetos do comitê para 2012.
O professor Eliseu Martins, da Fipecafi, que também integra o CPC, disse que acabou a fase “passiva” do órgão, em que se fazia apenas a tradução das normas já escritas pelo Iasb. Desde 2011, o comitê passou a participar ativamente de todas as discussões sobre normas contábeis, com o intuito de influenciar nos novos pronunciamentos.
Martins diz que a nova regra sobre receita será uma mudança relevante especialmente para os americanos. No padrão US Gaap, segundo ele, há centenas de regras específicas determinando como cada segmento deve reconhecer a receita. “É um desafio intelectual muito grande reunir tudo em uma única norma, baseada em princípios”, disse ele.
O princípio básico da nova norma é que a receita deve ser reconhecida quando um bem ou serviço é transferido para o comprador, com a possibilidade de isso ocorrer em um único momento ou ao longo do tempo.
Em um exemplo, uma operadora de telefonia que vende um celular e um plano para o cliente precisará reconhecer a receita da venda do produto no momento inicial e a do serviço ao longo do tempo.
Uma pesquisa elaborada pela firma de auditoria Grant Thornton com 2.800 companhias espalhadas pelo mundo apontou que, dentre as empresas a par das discussões sobre a nova regra (35% do total), 62% avaliam que as modificações propostas podem acarretar aumento dos gastos com controles internos. Isso está atrelado à crença, por parte de 64% das empresas questionadas, de que a nova regra traria mais complexidade para as demonstrações financeiras.
Para Marcos Sanches, sócio da Grant Thornton, a preocupação com aumento de custos e complexidade é compreensível, mas ele acredita que o Iasb e o Fasb estão na direção correta. “A receita é medida chave de desempenho de todas as empresas e padrão contábil único e global nessa área é fundamental”, diz, ressaltando que, nos Estados Unidos, as questões relacionadas ao reconhecimento de receita foram responsáveis por 10% das republicações em 2010.
A nova regra em avaliação, explica Sanches, não visa grandes modificações conceituais. No entanto, deve trazer mais detalhamento para evitar divergências interpretativas. “A dificuldade hoje é de aplicação da regra para casos específicos”.
A CVM, por exemplo, entende que o texto atual da minuta acaba de uma vez por todas com as dúvidas dos auditores brasileiros de que o IFRS permite que as incorporadoras imobiliárias locais reconheçam a receita dos empreendimentos ao longo das obras. Mas os responsáveis por chancelar os balanços não estão tão certos disso, o que pode gerar nova polêmica no futuro.
Segundo a pesquisa da Grant Thornton, as empresas conhecedoras do tema se dividiram quando questionadas sobre a necessidade de modificação na regra atual. Mais de 50,6% acham que não seria preciso uma substituição ou alteração do modelo de contabilização de receita em vigor e 12% não souberam responder.
Nesse tópico, a pesquisa revela divergência de opiniões entre os países. O apoio à mudança é notadamente baixo no Reino Unido – apenas 33% acham que as alterações são necessárias. O suporte às modificações propostas foi positivo na Índia (59%) e nos países asiáticos (56%).
Fonte: Fernando Torres e Marina Falcão, Valor Economico