Bônus de bancos engordaram Porto Forte
Quando trabalhava no departamento financeiro da Procter & Gamble, entre os anos de 1998 e 2002, o economista Guilherme Affonso Ferreira de Camargo percebeu que, quando ia pagar as faturas dos pequenos fornecedores da multinacional, esses já haviam descontado os recebíveis com diversas factorings. As factorings é que recebiam o dinheiro da Procter no vencimento e, para adiantar os recursos aos fornecedores, haviam aplicado salgadas taxas de desconto. Foi como observador dessa situação que Guilherme Camargo resolveu mudar de lado e fundar ele mesmo uma factoring. Assim surgiu em 2002 a Porto Forte Fomento Mercantil, agora no epicentro de uma espécie de esquema de pirâmide que está causando perdas a cerca de 450 acionistas, parte expressiva deles qualificados executivos do mercado financeiro.
A Porto Forte, que faz empréstimos para pequenas e médias empresas, ganhou corpo ao longo dos anos, em grande parte, à base dos gordos bônus semestrais de profissionais de bancos de investimento, gestores de fundos e analistas de ações. O irmão de Guilherme, Cristiano Camargo, teve papel central nisso. Diversos colegas e ex-colegas do executivo do mercado financeiro relatam ter tomado conhecimento da existência da Porto Forte por intermédio de Cristiano, que foi um fundador da factoring e, agora, figura na lista dos acionistas sujeitos a ver seu dinheiro virar pó com os problemas que começam a vir à tona.
Lista de acionistas à qual o Valor teve acesso mostra que há uma concentração de acionistas nos bancos de investimento por onde Cristiano passou durante sua carreira: Merrill Lynch, Citi e Goldman Sachs.
“Todo mundo está comentando o caso porque todo mundo conhece alguém que perdeu dinheiro lá”, diz um executivo de banco estrangeiro. “Eu nunca fiz um estudo aprofundado da Porto Forte, olhei muito superficialmente, nada no nível de diligência que costumo aplicar nos negócios do banco. O irmão do Cris parecia entender muito do que estava fazendo”, completa o executivo. “Os dois irmãos são muito educados, e o Cris é muito religioso. Eles são do tipo que nunca falam palavrão”, diz um ex-colega de Cristiano Camargo que investiu na Porto Forte, que diz ter feito o investimento na base da confiança.
“O Cristiano é uma das pessoas mais corretas com quem já trabalhei”, diz um outro ex-colega que aparece na lista de acionistas e pediu para não ser identificado.
O advogado de Cristiano, Rogério Leal, do escritório V,M&L, afirma que seu cliente nunca atuou ativamente para captar recursos para a Porto Forte. Em documento enviado à diretoria da Porto Forte, ao qual o Valor teve acesso, o advogado de Cristiano afirma que seu cliente nunca exerceu cargo de administrador da factoring e tampouco teve participação na decisão de emprestar dinheiro à Santa Marina Agropecuária, empresa dos pais de Guilherme e Cristiano que deu o calote na Porto Forte.
Documento redigido por parte da diretoria da Porto Forte, que afastou Guilherme Camargo da presidência da factoring, aponta que apesar da inadimplência da Santa Marina, na contabilidade da empresa o empréstimo gerava uma receita fictícia referente a juros de 4% ao mês.
No mesmo documento, também entregue ao Valor por investidor, a diretoria acusa Guilherme de ter usado o caixa da factoring para fins pessoais, como a compra de carro, e de ter vendido ações ordinárias da Porto Forte de sua propriedade para a tesouraria, acima do valor patrimonial, e usado o dinheiro para compra de apartamento. Essas mesmas ações teriam sido revendidas a um novo investidor a um preço substancialmente menor, causando perda para a empresa e lucro para Guilherme. Procurado, o advogado de Guilherme Camargo não foi localizado ontem.
Os diretores da Porto Forte Luciana Lima e Marcos de Alcântara Machado disseram aos investidores ter encontrado o que consideram indícios de má gestão e uso irregular do caixa da empresa. Luciana confirmou isso à reportagem no domingo. Segundo informam, eles de nada sabiam e só recentemente descobriram as irregularidades porque Guilherme concentrava a gestão do caixa e o relacionamento com investidores.
A Porto Forte tem um patrimônio líquido de aproximadamente R$ 12 milhões. Mas o conjunto de acionistas acreditava, até agora, ter direito a quase o dobro disso, já que a factoring se comprometia a pagar um dividendo fixo e se vendia como uma aplicação de renda fixa – algo como 160% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI).
Embora as cifras envolvidas não sejam bilionárias, o caso ganhou destaque pelo perfil dos acionistas que se deixaram levar pela promessa de rendimento alto.
A lista aponta que o maior detentor de ações da factoring é Beto Moraes, da família Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim. Seu investimento foi feito por meio da Infinity Venture Participações. Sua assessoria de imprensa enviou nota à reportagem informando que “José Roberto [Ermírio de Moraes Filho] é detentor de ações da Porto Forte adquiridas em final de setembro de 2010, não tendo recebido dividendo algum sobre estas ações”. A nota também informa que, para preservar seu investimento pessoal, ele resolveu “apoiar a empresa na investigação dos fatos, que vem sendo realizada por uma auditoria especializada; na busca de soluções e alternativas para manter os compromissos da empresa em dia”.
Fonte: Vanessa Adachi e Carolina Mandl, Valor Economico