Basileia 3 não é suficiente para evitar crises, diz ex-secretário do comitê
Depois de cinco anos como secretário-geral do Comitê de Basileia, coordenando os trabalhos que desembocaram no Acordo de Basileia 3, Stefan Walter atua desde o ano passado do outro lado do balcão. Desde fevereiro de 2012, Walter é responsável pela área de supervisão global de bancos da Ernst & Young Terco. Agora ajuda os bancos mundo afora a implementar as regras de Basileia 3.
Uma vez executadas, o executivo prevê que as regras de Basileia 3 reduzirão a oferta de crédito e a lucratividade dos bancos, já que haverá um aumento do custo de capital. Mas pondera que o preço de uma crise também é alto. Outra questão que coloca é a concentração bancária, consequência do aumento dos requerimentos de capital dos bancos.
No entanto, Walter lembra que a principal missão de Basileia 3 é restabelecer a confiança. Uma das chaves do novo acordo é criar um sistema bancário mais forte, desenvolvendo uma nova confiança nos bancos. Abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao Valor, ontem, durante uma passagem de três dias pelo Brasil.
Valor: O que o senhor espera ver quando o acordo de Basileia 3 estiver completamente implementado?
Walter: O impacto de Basileia 3 será diferente entre os países. Houve significativa perda de confiança nos mercados. As regras de definição de capital perderam credibilidade. Uma das chaves de Basileia 3 é criar um sistema bancário mais forte, desenvolvendo uma nova confiança nos bancos. Acredito que Basileia 3 contribuirá para a estabilização do sistema financeiro. O acordo prevê um elemento macroprudencial na regulação que não existia antes, que analisa o sistema como um todo, de forma mais ampla. Está em contraste com a política microprudencial, que busca garantir a solidez dos bancos individualmente. É uma grande mudança na política regulatória. O impacto será profundo.
Valor: O senhor pontuou as diferenças de impacto entre países emergentes e outros. Poderia detalhar as diferenças?
Walter: Uma diferença básica é que muitos bancos de países emergentes têm bastante capital. A maioria dos bancos de países emergentes tende a ter mais capital no Nível 1, sendo esse o novo critério de Basileia 3. Desta forma, em muitos países, incluindo o Brasil, os bancos estão mais adiantados no que se refere à composição de capital. O segundo ponto é a escala em que os bancos dos emergentes foram atingidos pela crise, e as perdas que enfrentaram. Em países mais afetados, alguns bancos podem ter crescido demais com atividades de banco de investimentos, e talvez tenham que repensar seus modelos de negócios.
Valor: Então o senhor acredita que será mais fácil a adaptação dos bancos de países emergentes?
Walter: Será mais fácil em comparação com bancos de economias mais avançadas, já que o Acordo de Basileia 3 pode ser visto como uma “volta ao básico”.
Valor: Basileia 3 vai ser suficiente para evitar uma nova crise?
Walter: Um fator comum dessas crises todas foi o nível de alavancagem no sistema. O grau de alavancagem permitido no regime antigo era alto. Ao impor um limite à alavancagem dos bancos, Basileia 3 terá um papel importante talvez não na prevenção de uma crise, mas na mitigação dos impactos de uma nova crise. Isso não significa que Basileia 3 é suficiente para garantir que não ocorrerá outra crise. A razão principal disso é que o sistema financeiro é extremamente dinâmico. O mais óbvio é que quanto mais o sistema bancário é regulado mais o risco se move para o chamado “shadow banking” [empréstimos de dinheiro fora da estrutura formal bancária].
Valor: Haverá uma redução na oferta de crédito?
Walter: Mais capital significa mais custo e, se os bancos vão enfrentar custos mais altos de capital e de funding, então haverá um impacto na lucratividade do setor. Ao mesmo tempo, porém, o custo de uma crise financeira para a economia é muito alto. A expectativa é que o crédito receba um tratamento mais equilibrado. Se olhar para os Estados Unidos, onde qualquer um pode pegar uma hipoteca, o crédito era muito barato.
Valor: Basileia 3 reduzirá a competição entre os bancos?
Walter: Esse é um dos desafios. De um lado, o acordo foi desenhado para fortalecer o setor e tornar os bancos mais resilientes. Porém, exigir mais capital eleva o custo. Isso pode aumentar as barreiras de entrada, resultando em mais concentração. Então há duas forças atuando e não está claro como será a dinâmica entre elas. Há alguns bancos que tentam ser tudo para todos em todos os lugares. Os bancos precisam se perguntar onde estão suas vantagens competitivas e focar em determinadas atividades.
Valor: Como você compara as regras de Basileia lançadas pelo Brasil com aquelas já publicadas por outros países?
Walter: Em geral, como eu disse, Basileia 3 é uma volta ao básico. De forma geral, esse retorno é consistente com o tipo de regulação que se tem visto no Brasil, com uma definição mais simples de capital, que é o numerador do índice de Basileia. Em relação ao denominador [ativos ponderados pelo risco], o Brasil tem recaído em uma padronização mais simples, enquanto Basileia 3 não fez muito do lado do risco. O que começamos a ver em Basileia agora é uma tendência de simplificação também. Acho que o Brasil está bem posicionado.
Valor: No Brasil, o Banco Central decidiu não excluir do capital os créditos tributários de diferenças temporais relacionados a provisão. Qual é sua opinião?
Walter: Basileia deu um tratamento preferencial a créditos relacionados a provisões. Basileia também disse que, se um país tem uma regulação que garante que a realização do crédito não dependa de resultados futuros, a instituição teria a possibilidade de incluir esses ativos no capital.
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