LavaJato:Petrobras reduziu pena de trader cuja irmã atuou no Planalto
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras deve receber, nesta terça feira, a informação de que um negociador internacional credenciado pela estatal, pego em irregularidades, teve a sua punição reduzida devido a um parentesco com uma funcionária do Palácio do Planalto.
A informação deve chegar aos parlamentares por meio de Fernando de Castro Sá, que foi gerente jurídico da Petrobras e participou da apuração de desvios de milhões de dólares na venda de “bunker” (óleo combustível de navio) por comerciantes internacionais da estatal.
Castro Sá foi convocado para falar hoje aos parlamentares sobre os desvios de bilhões de reais nas obras em refinarias. Outros três exgerentes também foram chamados pela CPI. De início, a pauta da comissão não abrange os prejuízos nas unidades internacionais da Petrobras. Mas, se for questionado sobre a atuação irregular dos “traders”, Castro Sá vai revelar o que sabe. “Não sei quais assuntos vão me perguntar na CPI. Mas, se me questionarem sobre isso, eu vou falar a verdade”, disse o exgerente.
O negociador (“trader”) que foi pego em irregularidades é Daniel da Silva Gomes Filho. Ele é irmão de Márcia Boueri Gomes, que foi chefe de Ordens do gabinete da presidente Dilma Rousseff até o fim do ano passado. Gomes Filho foi investigado por desvios na venda de “bunker” em Cingapura. Ele foi monitorado e teve mais de mil mensagens interceptadas numa investigação conduzida pelo escritório da Petrobras em Cingapura, entre 2012 e 2014, quando a unidade esteve sob o comando da geóloga Venina Velosa da Fonseca, a gerente que denunciou irregularidades à então presidente da estatal, Graça Foster.
O esquema teria funcionado através da fixação de diferenças nos preços de compra e venda do produto pela Petrobras. Essas negociações são conduzidas pelos “traders”, os comerciantes internacionais credenciados pela estatal que estabelecem preços a partir da medição da pureza do óleo combustível. Uma auditoria interna mostrou que essa medição foi feita erroneamente por diversas vezes e isso gerou prejuízos de milhões de dólares apenas para o escritório da estatal em Cingapura.
De acordo com as investigações, em apenas um mês, a diferença de 0,2% na mediação da pureza do óleo combustível de navio gerava perda de US$ 1,19 milhão. Mas, em 2013, algumas cargas atingiram 0,5%, gerando prejuízo mensal de US$ 1,78 milhão.
A apuração dessas perdas foi feita com a ajuda de um escritório de advocacia daquele país, que, sob as leis de Cingapura, obteve cópias de mensagens entre os “traders” e concluiu que houve “fortes evidências” de que a estatal foi prejudicada nas negociações de óleo combustível. Numa das mensagens, a qual o Valor PRO serviço de informação em tempo real do Valor teve acesso, um negociador revela que terá que pagar comissão extra a Gomes Filho pela sua ajuda na comercialização do produto. Em outra mensagem, um “trader” afirma que apenas Gomes Filho poderia “proteger o negócio”.
Procurada, a Petrobras informou que realizou apurações internas para verificar os prejuízos na venda de óleo combustível e que isso levou à substituição de pessoas que atuavam no processo de compra e venda de “bunker” e à aplicação de penalidades aos envolvidos.
No entanto, Gomes Filho sofreu apenas uma suspensão, inferior a um mês. Em vez de ser descredenciado, ele foi suspenso por alguns dias e voltou a operar.
De acordo com pessoas que participaram das investigações, as pressões foram tão grandes que o nome de Gomes Filho sequer apareceu em um relatório interno da Petrobras sobre o caso. A participação dele só foi levada a termo os autos da auditoria por Sam Hong, um funcionário local que prestou depoimento confirmando os desvios.
Hong decidiu detalhar as irregularidades, pois temia ser punido pela legislação local que é muito mais rigorosa do que a brasileira. Em Cingapura, quem sabe de um crime e não relata o ocorrido às autoridades pode pegar a mesma pena do criminoso. Mesmo assim, o depoimento de Hong não constou do relatório final da Petrobras foi apenas anexado.
A denúncia de que “traders” sofreram punições leves, incompatíveis com os prejuízos causados à Petrobras, foi apresentada ao Ministério Público, à Polícia Federal e à Justiça, em Curitiba, onde tramitam os autos da Operação LavaJato. Em depoimento realizado em 7 de janeiro, na Justiça Federal da capital paranaense, Castro Sá contou que, apesar de ter sido aberta uma comissão interna para apurar o caso, houve uma preocupação para que a apuração não fosse adiante. “Havia um questionamento, uma preocupação de ele (Gomes Filho) ser punido que ouvimos no corredor por ter vínculo de parentesco com uma chefa de ordens do Palácio do Planalto”, afirmou o ex gerente, em seu depoimento à Justiça.
Castro Sá disse ainda que, mesmo após a descoberta do esquema, a Petrobras manteve as negociações com as empresas suspeitas e os “traders” não foram descredenciados.
O Valor PRO entrou em contato com a residência de Gomes Filho, no Rio de Janeiro, e foi informado que ele está trabalhando no exterior. A reportagem também procurou Márcia, mas o Planalto informou que não teria como encaminhar o seu contato, já que ela deixou o trabalho na Presidência da República. A Assessoria do Palácio do Planalto foi procurada para comentar o assunto, mas não atendeu aos pedidos de entrevista até o fechamento desta reportagem.
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